Perigo intenso na
terapia intensiva
A vocação da UTI é salvar vidas, mas
nela os riscos de infecção grave são
maiores. Novidades foram criadas
para conter essa ameaça
Paula Neiva
O paciente internado na unidade de terapia intensiva de um bom hospital dispõe dos recursos mais avançados da medicina. Entre tubos, eletrodos, cateteres, sondas e agulhas, um doente pode estar ligado a até dez dispositivos, simultaneamente – além de ter à sua volta profissionais que acompanham o funcionamento de seu organismo, 24 horas por dia. Todos esses cuidados, no entanto, guardam um paradoxo: a internação numa UTI aumenta de forma significativa os riscos de infecções graves. O problema ocorre porque os cateteres, agulhas e outros aparatos deixam os pacientes, em geral muito debilitados, mais expostos ao ambiente externo – e, conseqüentemente, mais suscetíveis à contaminação. Outro fator que potencializa o perigo é o uso de antibióticos extremamente potentes, mesmo antes de ser obtido um diagnóstico preciso de qual é o tipo de infecção. Como os médicos não dispõem de tempo para esperar o resultado dos exames que confirmam de que caso se trata, eles recorrem a antibióticos inespecíficos – o que aumenta a probabilidade de uma bactéria ou fungo tornar-se resistente ao medicamento. Ao cobrirem um amplo espectro, esses antibióticos podem matar determinados agentes patogênicos, ao mesmo tempo que selecionam outros.
Das infecções, a que mais preocupa os médicos intensivistas é a sepse grave, vulgarmente conhecida como septicemia ou infecção generalizada. De cada dez pessoas que chegam à UTI, uma pode contraí-la. No Brasil, esse número traduz-se em 130.000 pessoas a cada ano. Cerca de 60% delas morrem em decorrência da doença. "A fragilidade desses pacientes e a gravidade de suas doenças originais fazem com que os riscos de uma sepse sejam realmente muito grandes", diz o médico Ederlon Rezende, diretor da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). "O grande desafio é desenvolver mecanismos capazes de reduzir os índices de infecção." E a medicina tem conseguido bons resultados nesse sentido. De acordo com os dados divulgados no último Simpósio Internacional de Terapia Intensiva e Medicina de Emergência para a América Latina, realizado recentemente em São Paulo, as novas armas reduzirão em até 25% a mortalidade por sepse.
O principal objetivo dos médicos é providenciar o diagnóstico rápido do problema. A intervenção precoce, mais precisamente nas primeiras 24 horas de infecção, aumenta sensivelmente as chances de vencer a doença. Nessa frente, duas novidades merecem destaque especial. Uma delas é um cateter especial, batizado de PreSep, cuja extremidade é feita de fibra óptica. O material torna o dispositivo mais sensível para a coleta contínua de informações sobre os níveis de oxigênio que circulam no sangue do paciente. A queda na oxigenação dos tecidos é um dos primeiros sinais mais evidentes de sepse. O cateter, que chegou ao Brasil há menos de um ano, facilita o monitoramento do paciente e, com isso, aumenta a possibilidade de detecção precoce do agravamento da infecção.
Outra novidade é o monitor chamado Lidco. O equipamento mede, de maneira menos invasiva, a função do coração – ou seja, a quantidade de sangue que o órgão bombeia a cada minuto para o resto do organismo. Além de o cateter utilizado ser menor do que os tradicionais, ele pode ser colocado em artérias periféricas, como a radial, que fica no braço, e a femoral, na perna. Habitualmente o cateter tem de atravessar o coração, para ser instalado na artéria pulmonar. Com o novo método, o paciente fica menos exposto a possíveis contaminações. "O desenvolvimento de técnicas menos invasivas é uma das principais frentes para ajudar a reduzir os índices de sepse", diz o intensivista Eliézer Silva, supervisor médico do Centro de Terapia Intensiva do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Um dos principais vilões de uma UTI é o respirador mecânico, o aparelho com um tubo que deve ser colocado na traquéia do paciente para facilitar-lhe a respiração. Até 80% dos pacientes de UTI necessitam desse auxílio. Três em cada dez que usam a máquina de três a cinco dias desenvolvem infecção respiratória por causa do aparelho. Do sexto dia ao décimo, metade dos doentes é contaminada. Para diminuir esse perigo, foi criado um respirador que dispensa a entubação. Com o auxílio de uma máscara, o aparelho ajuda o paciente a respirar ao promover uma diferença de pressão entre o oxigênio fornecido pelo aparelho e o pulmão. A desvantagem, no entanto, é que ele só é indicado para aqueles doentes que ainda mantêm algum controle sobre a própria respiração. Ou seja, os casos mais graves continuam a exigir entubação.
CADA VEZ MAIS RESISTENTES
Em 1945, o cientista escocês Alexander Fleming, descobridor do primeiro antibiótico, a penicilina, verificou que certas bactérias tinham a capacidade de se tornar imunes à ação do medicamento. O crescimento da resistência bacteriana deve-se à seleção natural – as que sobrevivem ao remédio reproduzem-se e, com o tempo, suas descendentes substituem inteiramente aquelas mais fracas, numa espiral que vai adquirindo ainda mais força a cada geração. Esse processo ganhou uma enorme aceleração depois da II Guerra, com o uso descontrolado dos antibióticos, um subproduto indesejável de uma conquista farmacêutica – a produção em escala industrial de vários tipos desse remédio. Isso ocorre porque, quando uma grande quantidade de pessoas toma de maneira indiscriminada tais medicamentos, encurta o tempo que as bactérias levam para produzir uma geração imune a eles. E, até que os antibióticos percam por completo seu efeito, as doses ministradas têm de ser progressivamente aumentadas. Para se ter uma idéia, a cefalexina, que combatia de forma eficiente 90% dos casos para os quais era indicada, hoje só funciona em 30% deles. No Brasil, as bactérias que mais adquiriram resistência nos últimos anos foram o Staphylococcus aureus, a acinetobacter e as pseudomonas (veja abaixo). Recentemente, os cientistas descobriram que as bactérias mais resistentes são também capazes de trocar informações genéticas com as mais suscetíveis, "ensinando-lhes" como driblar a ação dos antibióticos. Quando isso acontece, são necessários novos medicamentos para debelar as infecções. "O aumento da resistência bacteriana é inevitável", diz o infectologista Luis Fernando Camargo, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo. "Mas ele teria efeitos menos drásticos se o consumo de antibióticos fosse controlado." Um exemplo da irracionalidade no uso dos remédios é o fato de que 70% das infecções respiratórias são causadas por vírus, mas 90% delas são tratadas com antibióticos.
STAPHYLOCOCCUS AUREUS
O que pode causar: pneumonia e infecções sanguíneas, de pele e na válvula cardíaca
Criou resistência: à oxacilina, antibiótico desenvolvido para agir especificamente contra essa bactéria. Cinco anos atrás, foi relatado um caso inédito de resistência à vancomicina, um dos antibióticos mais agressivos
ACINETOBACTER E PSEUDOMONAS
O que podem causar: pneumonias graves
Criaram resistência: aos carbapenêmicos, considerados os remédios mais eficazes contra a classe de bactérias gram-negativas, da qual ambas fazem parte
Fonte: Revista Veja On-line http://www.veja.abril.com.br/130705/p_112.htm
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