quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM): Epidemiologia e impacto na evolução clínica de pacientes em uma unidade de terapia intensiva


Pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM): Epidemiologia e impacto na evolução clínica de pacientes em uma unidade de terapia intensiva

As pneumonias ocorrentes em pacientes submetidos à assistência, procedimentos médicos que estão em ambiente hospitalar, tornou-se um elemento importante de grande relevância clínica. A pneumonia é a principal causa de infecção nasocomial em UTIs, ocorrendo, em mais de 90% dos casos, em pacientes submetidos à intubação endotraqueal e ventilação mecânica (VM). Apesar de inúmeras pesquisas epidemiológicas sobre a PAVM, alguns aspectos como a sua contribuição para mortalidade e para o tempo de internação na UTI, ainda permanecem objeto de controvérsia com dados conflitantes perante as literaturas.

A PAVM é aquela que ocorre no período de 48-72h após intubação endotraqueal e uso da ventilação mecânica invasiva. Também pode ser classificada em: precoce, que ocorre até o quarto dia de intubação e início da VM, ou tardia, que se inicia após o quinto dia da intubação e VM.

Ao realizar a pesquisa, os autores tiveram como objetivo realizar um acompanhamento prospectivo de pacientes submetidos à ventilação mecânica na UTI de um hospital privado no Rio de Janeiro. Comparando o subgrupo que desenvolveu PAVM com os demais pacientes, buscou-se determinar o impacto da PAVM no prognóstico dos pacientes submetidos à VM, aferindo-se como desfechos primários a taxa de mortalidade na UTI, o tempo de ventilação mecânica e os tempos de permanência na UTI e no hospital. Os desfechos secundários foram mortalidade hospitalar, fatores de risco para aquisição de PAVM, perfil microbiológico dos casos e utilização de antibióticos.

Para isso foi montada uma coorte prospectiva unicêntrica no período entre agosto de 2005 e abril de 2007. Foram inclusos na pesquisa pacientes que estavam sob permanência em VM por pelo menos 48 h e idade entre 18 e 95 anos. Os critérios de exclusão relacionados foram: comprometimento cognitivo prévio (escala de coma de Glasgow [ECG] ≤ 8); doença neoplásica em estádio avançado, definida como fora de possibilidade de terapia oncológica curativa; doença neuromuscular avançada; presença de via aérea artificial definitiva previamente estabelecida; procedência de outro hospital com via aérea artificial definitiva; cuidados de fim de vida determinados pelo médico assistente; e idade fora da faixa de inclusão. Para análise dos dados, a coorte foi dividida em dois grupos: caso (presença de PAVM) e controle (ausência de PAVM).

O seguimento na UTI foi procedido até 48 h após extubação ou afastamento completo do suporte ventilatório (em caso de pacientes que foram traqueostomizados), até o óbito ou por 60 dias de ventilação mecânica invasiva. O seguimento tardio (hospitalar) foi efetuado até o desfecho (alta ou óbito) ou até janela de seis meses consecutivos. Os casos de PAVM foram definidos pela presença de infiltrado radiográfico novo ou progressivo associado à febre (>38°C) ou à alteração no leucograma (≥ 12.000 ou < style=""> (noradrenalina > 0,1 µg/kg/min ou dobutamina > 5 µg/kg/min) por mais de 12 h consecutivas, adquirido após as primeiras 24 h de arrolamento.

Para a análise do perfil etiológico da PAVM, foram utilizadas culturas quantitativas de material colhido através de lavado bronco alveolar (LBA). O ponto de corte para infecção foi definido em 104 UFC/mL. A antibioticoterapia prescrita inicialmente foi considerada adequada quando os germes isolados eram sensíveis ao menos a uma droga do esquema.

Dentre as variáveis coletadas, estão aquelas de admissão — idade, sexo, escores do Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) e Sequential Organ Failure Assessment (SOFA), categoria de admissão (clínica ou cirúrgica), diagnóstico de admissão e motivo de indicação da VM — bem como as variáveis de evolução — incidência de PAVM, mortalidade na UTI, mortalidade hospitalar, tempo de VM, tempo de permanência na UTI, tempo de permanência no hospital, incidência de hemodiálise (como marcador de insuficiência renal aguda grave), choque e traqueostomia. As indicações de VM foram divididas em três categorias: exacerbação aguda de doença pulmonar crônica, doença cardiorrespiratória aguda (pneumonia, choque, edema agudo de pulmão, trauma, parada cardiorrespiratória, aspiração, SARA, pós-operatório imediato) e doença primariamente neurológica (queda de consciência ou doença neuromuscular).

O teste de hipóteses entre variáveis contínuas e ordinais foi executado através do teste de Wilcoxon e, entre as variáveis categóricas, através do teste do qui-quadrado.

Vieses de suscetibilidade foram controlados através de ajustamento multivariável por regressão logística tipo stepwise. As variáveis independentes inseridas no modelo para a avaliação dos desfechos de mortalidade foram: idade, sexo, categoria diagnóstica, indicação da VM, escore APACHE II, escore SOFA na admissão, incidência de PAVM, hemodiálise, choque circulatório e traqueostomia. As variáveis independentes testadas nos modelos para o desfecho aquisição de PAVM foram tempo de VM, uso prévio de antibióticos, idade, traqueostomia, indicação da VM e categoria diagnóstica. Os fatores de risco potenciais para a ocorrência dos desfechos foram inseridos nos modelos multivariáveis com base em estudos de risco previamente relatados.

Durante o período do estudo, 233 pacientes foram acompanhados, após 87 exclusões. A amostra consistia de 143 (61%) mulheres. A mediana de idade foi 79 anos. Quanto ao diagnóstico de admissão, 173 pacientes (74%) enquadraram-se na categoria clínica. As medianas do escore APACHE II e do escore SOFA inicial foram 17 e 5, respectivamente.

Dos 233 pacientes, 64 desenvolveram PAVM ao longo do seguimento do estudo (incidência: 16,79% dias de VM). As medianas de tempo de internação na UTI e do tempo de VM até o diagnóstico de PAVM foram 12 dias e 10 dias, respectivamente. O grupo dos pacientes que desenvolveu PAVM demonstrou-se homogêneo em relação ao grupo controle quanto às características de base aferidas, exceto pelo sexo, onde se manifestou a predominância feminina no grupo PAVM (72%). Dos pacientes com diagnóstico de PAVM, 51 (80%) foram submetidos à LBA. Os germes mais frequentemente isolados foram Acinetobacter baumannii (28%) Pseudomonas aeruginosa (19%) e Staphylococcus aureus (20%); e 16% dos lavados apresentaram cultura negativa. Pelo resultado das culturas, verificou-se que 48% dos pacientes receberam antibioticoterapia empírica inadequada para o agente etiológico.

A análise de regressão logística múltipla demonstrou que o tempo de VM e o uso prévio de antibióticos foram fatores de risco independentes para o desenvolvimento de PAVM. Comparando os pacientes com PAVM com o grupo controle, o tempo de VM, o tempo de internação na UTI e o tempo de permanência no hospital foram significativamente maiores.

Não houve diferença significativa na mortalidade hospitalar entre os pacientes que desenvolveram PAVM e os controles. No entanto, a mortalidade na UTI foi significativamente maior no grupo com PAVM e sua contribuição como fator de risco independente para óbito na UTI pôde ser verificada por regressão logística múltipla. Outros fatores de risco independentes para mortalidade na UTI foram insuficiência renal aguda, choque, traqueostomia e sexo masculino.

De acordo com a conclusão dos autores perante os resultados do estudo, pode-se demonstrar que a PAVM é um fator de risco independente para a mortalidade na UTI. A mortalidade hospitalar, entretanto, não foi significativamente diferente em relação à do grupo controle. A PAVM também se relacionou a maiores tempos de VM, de internação hospitalar e de permanência na UTI. A etiologia da PAVM nesta população esteve associada a germes com alto risco de resistência a antimicrobianos. A antibioticoterapia inicial revelou-se inadequada em uma porção substancial dos casos. O tempo de VM e o uso prévio de antibióticos foram fatores de risco independentes para PAVM. As características da população estudada devem ser levadas em consideração ao tentar-se generalizar esses resultados para outros grupos de pacientes.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

RODRIGUES, P. M. A., NETO, E. C., SANTOS, L. R. C., KNIBEL, M. F. Pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM): Epidemiologia e impacto na evolução clínica de pacientes em uma unidade de terapia intensiva. In: Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 35, n. 11, p.1084-1091, Novembro 2009.

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