sexta-feira, 5 de março de 2010

Humanização em UTI

70% das UTIs no País estão fora do padrão de atendimento humanizado

Locais não têm estrutura e equipe adequadas, além de restringir participação da família; há ainda déficit de vagas


Cerca de 70% dos 3.500 leitos de Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) no País não estão minimamente adequados ao modelo de humanização considerado ideal por especialistas da área, segundo dados da Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva (Sobrati). Estudos recentes indicam que detalhes simples, como a presença de janela e relógio no quarto - para que o paciente tenha noção de tempo - e maior contato com familiares durante a internação são decisivos não só para a recuperação mais rápida, mas também para evitar sequelas físicas e psicológicas que podem atrasar o retorno à vida normal.

"Durante muito tempo, a única preocupação dos profissionais da área foi salvar vidas. Mas nos últimos 15 anos começou a haver um cuidado com a qualidade de vida do paciente após a internação. Isso está ligado ao aumento da sobrevida", diz Álvaro Réa, presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). "Estudos indicam que muitos pacientes levam de 6 a 12 meses para voltar às atividades normais por causa das sequelas."

Segundo o psiquiatra Marcelo Feijó de Melo, da Unifesp, é comum entre pacientes que passaram por longas internações a síndrome do stress prós-traumático. "Esse quadro é grave e limita muito a vida do paciente pós-UTI." O índice de licenças e aposentadorias precoces entre os portadores da síndrome chega a 40%, afirma o psiquiatra.

Mas algumas medidas podem minimizar o impacto negativo. Ter a família perto o maior tempo possível é um dos fatores mais importantes apontados por especialistas, bem como o acompanhamento de psicólogos e fisioterapeutas. A presença de relógio e janela no quarto, para que o paciente tenha noção de dia e noite, ajuda o organismo a manter seu ciclo natural. Usar o mínimo de sedação, apenas o suficiente para que o paciente fique confortável, evita que ele sofra alucinações e adquira dificuldades cognitivas em consequência das drogas.

O Hospital Sírio-Libanês, por exemplo, adota a rotina do despertar diário, conta Guilherme Schettino, responsável pela unidade. "Durante um período do dia, suspendemos a sedação para que o paciente fique acordado. Explicamos a ele e a família todos os procedimentos que estão sendo feitos. Isso diminui a angústia."

Minutos antes de passar por uma nova cirurgia, a secretária Aurea Soares, de 48 anos, relatou a experiência de cinco dias na UTI do Sírio-Libanês, vivenciada em dezembro do ano passado. "Não parece que você está num hospital. O quarto era individual, tinha computador, TV e meus familiares puderam ficar comigo o tempo todo, conta Aurea, que teve câncer, sofre de diabete e passou por um cateterismo para colocar dois stents. "É um período em que você está muito mal, não sabe se vai ou se fica. Saber que tem profissionais 24 horas por perto deixa você mais segura."

"Em hospitais como o Sírio-Libanês, Albert Einstein e Nove de Julho as UTIs atendem a todos os critérios ideais de humanização. Mas isso é para poucos", diz o presidente da Sobrati, Douglas Ferrari. "Estimamos que 25% dos brasileiros tenham plano de saúde e, desses, apenas 5% têm acesso a esse modelo top." Em todo o País, apenas 30% das UTIs atendem aos requisitos mínimos do modelo ideal de humanização. "A maioria não tem psicólogo e limita muito o acesso da família."

Ferrari aponta outro dado alarmante: o déficit de leitos de UTI no País está em torno de 50%. A situação é mais grave na área pediátrica e de neonatologia, onde o déficit chega a 70%. "O processo de humanização não estará completo enquanto houver crianças esperando um leito nos corredores de hospitais, num momento em que um respirador faz a diferença entre vida e morte."

A falta de leitos foi um dos problemas que levaram a UTI neonatal do Hospital das Clínicas de Pernambuco a suspender novos atendimentos. Um dia após a divulgação da suspensão, que também ocorreu por causa de um surto de infecção que atingiu pelo menos seis bebês, o Ministério Público estadual anunciou ontem a realização de uma audiência pública sobre o caso. O objetivo é buscar providências para as consequências causadas pelo surto infeccioso.

Ontem, de acordo com informações da coordenação médica da unidade, os bebês infectados permaneciam sob tratamento com antibióticos. A previsão, segundo a assessoria de imprensa, é de que o atendimento seja normalizado em dez dias.

FALTA DE VAGAS

50% é o déficit de leitos de UTI no País. Na área de neonatologia o número chega a 70%, segundo a Sobrati

6% dos leitos hospitalares deveriam ser destinados à alta complexidade, segundo a ONU. Mas no Nordeste a taxa é menor que 3%; no Norte, é de 1,7%

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